ENSAIO PARA LOUCURA
POR: SÉRGIO LACERDA
No começo não sentia nada; o brilho dos relâmpagos não incomodava, até brincava com o barulho dos trovões. Depois de um tempo as dores começaram a aparecer, eram apenas dores fracas, contudo, as dores aumentaram com o tempo, o barulho dos trovões estava chegando mais perto. Entre um e outro tinha visões e isso incomodava muito, depois das lembranças, ele olhava para os quadros das paredes como se quisesse reconhecer alguém, como não chegava a nenhuma conclusão, se precipitava para um canto escuro pondo-se a chorar.
Ele vive a vagar por entre quadros e paredes remoendo consigo mesmo, quando eles virão e por que eles vêem.
Às vezes penso que é uma aberração criada num desses laboratórios clandestino; não tem passado e nem sei se terá futuro, só sei que é demasiado conturbado o seu presente
Eu gostaria que eles não viessem mais, já não aguento vê-lo sofrer, dói meu peito com a sua dor e a minha alma com seus gritos e lamentos. Quero abraçá-lo para aliviar seu pranto, mas... Tenho medo.
Os pensamentos e lembranças que ele tem, incomodam mais a mim que a ele próprio, incomoda-me também vê-lo assim calado, parece que algo dilacera seus pensamentos e isso o faz sentir dor. Gostaria de saber que pensamentos e lembranças são essas que nos deixam estagnados.
O que são vocês? Efeito de um drope, delírio. Lúcido ou alucinado? Queria eu poder falar, mas... Falar com quem, com o que? Agora me pedem pra eu calar, mas não posso, falar é essencial!
Falo logo penso, falo logo penso, falo logo penso
Penso logo falo, penso logo falo, penso logo falo
Calar?!... Ficar em silêncio pra que? E nesse exato momento calam-se as vozes na minha cabeça e o silêncio me atormenta, já estava acostumada com o barulho dos trovões e relâmpagos, a chuva que acalmava meu peito agora se foi e nesse momento que esta querendo ir embora sou eu e mais uma vez o meu peito dói por a minha voz estar calada, estou lhe deixando mais uma vez, adeus.
Para onde olha ouve vozes, as paredes sussurram nos seus ouvidos. Quem são eles, de onde vêem, para onde querem levá-lo?... Será que o abismo produzido por sua mente conturbada?
Se considerarmos que nesse momento já não somos nós mesmos, mas somos nós em outro momento falando conosco mesmo, podemos acredita que me outro momento já não conseguimos falar conosco mesmos.
Ouço o barulho dos trovões e dos relâmpagos rasgarem o céu escuro, formando La em baixo na cidade um cenário tenebroso. Silencio... Silencio, sinto o vento em meu rosto, lá vem ela outra vez, a chuva, fina e leve como a bruma da madrugada. Os relâmpagos estão cada vez mais perto e entre um e outro minha visão fica turva, ai eu vejo coisas que não sei se é minha imaginação ou se são lembranças de minha mente conturbada.
Minha cabeça vai explodir, saiam daqui, me deixem em paz.
Eu sou o que sou! Eu sou o que sou! Eu sou o que sou!
Vai!... Deixe-me, preciso ficar só, preciso descobrir quem eu sou.
E ela se vai, como uma noiva com um imenso véu branco se arrastando por onde passa; depois que ela se vai, a chuva, não consigo lembrar-me de mais nada, é por isso que não sei quem eu sou, é por isso também que fico tentado saber onde estou e o que estão fazendo comigo. Às vezes acho que estou num sanatório, por isso não sei se existo ou se sou apenas lembranças de um lunático qualquer.
Às vezes me sinto como um ator num grande teatro, sendo observado por meros espectadores que se deleitam com minha esplêndida apresentação. Mas creio que em vez de um teatro, estou em uma grade gaiola e em vez de um palco é uma grade mesa de analise. Não, definitivamente não estou num teatro e nem sou ator, contudo, me sinto e sou uma cobaia, sim uma cobaia... Aquecido por lâmpadas incandescentes sinto frio isso por que estou com o corpo descoberto; não falo de lençóis e nem trapos que não cobrem a vergonha de ninguém, falo de pele, sim... De uma pele desprovida de seus sentidos, sinto frio, mas também não é de algo parecido com o gelado, arrepio, falo simplesmente de frio. Sinto-me nu, entre tanto não de roupa que sinto falta, é por que agora talvez eu não tenha pele, é isso mesmo, minha pele foi arrancada, falo no sentido pleno da palavra; estou sendo descascado como uma fruta em um grande banquete de hipócrita.
Hipócritas, todos os que vêm aqui me olhar, ou melhor, me analisar e depois saem fingindo que não aconteceu nada e ate mesmo os que não vêem e fingem que não há um lugar como este. Hipócritas todos, afinal acho que também sou hipócrita, quem sou eu para dizer que sou ator, não chegaria nem aos pés de Jesus Cristo, sim, de Jesus Cristo, este foi o maior de todos, fez o maior de todos os shows da vida e da morte, durou três dias e até hoje ninguém conseguiu nem se quer adaptar o roteiro e quem tentou até agora só conseguiu chegar aos seus pés, falo de forma figurada, só conseguiram chegar aos pés da cruz.
Meu corpo esta voltando a sentir frio, acho que eles estão quase para chegar, sinto muito frio quando eles estão aqui, por algum motivo minha pele começa a soltar um líquido que não é suor, talvez seja algo que colocaram no meu corpo por que minha pele também começa a sair do meu corpo. Lembro-me de meu corpo e nesse momento ele esta precisando do néctar da vida. Outro dia ele estava do mesmo jeito, é uma sensação desagradável, contudo, não é uma dor física e sim mental, visceral, puro e simplesmente instinto. Instinto nesse instante é ser irracional, gritar quando se sente dor física e simplesmente sentir quando não é.
Sinto muita dor, instinto, por isso minha cabeça dói. A claridade esta ficando cada vez mais intensa e nesse momento me pergunto quem fornece tanta energia para essas luzes? Acho que eles já estão La em seus lugares, esperando que eu faça minha esplêndida apresentação, sinto que ainda não é momento, as luzes do meu palco ainda não esta forte a ponto de aquecer meu corpo, o néctar da ainda me faz falta e por isso eu não chegue ao final desse ato. As luzes... Estão quase no ponto, acho que é hora de deixar a brisa que as luzes trazem, é tão bom senti-la no rosto. A brisa me refresca, não sei quantas vezes já parei para olhá-las, não falo da brisa e sim das luzes, ela vem La de fora, de todos os lugares, são tão lindas.
Quando elas chegam perto, às luzes, consigo ver as pinturas que estão por toda parte, todos conseguem ver, na verdade eu consigo ver alem, por que essas lembranças me trazem recordações, desde que eu era criança ate agora. Só fico triste por que não consigo saber o que vai acontecer comigo depois que eu sair daqui. Mas não me importo.
Quando paro para recordar me lembra daquele ator, não consigo entender por que ele fez aquilo, não!... Eu não acredito e nem quero acreditar que ele fez aquilo, deixar-se pregar num pedaço de madeira só para provar que o amor existe. Que amo! Eu tão pouco acredito que foi o próprio pai quem escreveu o roteiro para o filho, afinal de que amor nós estamos falando? Amor do pai, do filho, ou dos outros que são todos hipócritas? Sim! Hipócritas, dizem que amam o pai, mas por que mataram o filho? Para serem perdoados, matar o filho para serem perdoados pelo pai? Pobres criaturas!
A dor da minha cabeça esta aumentando, acho que são eles que de alguma forma estão mexendo com o meu cérebro, talvez seja por isso que meu corpo se despe e se dispõe à todos os atos ilícitos que fazem comigo aqui nesse local, quero dizer nesse palco, meu palco.
Às vezes tenho vontade de sair correndo desse lugar com toda força que me resta e eu sei que ainda me resta alguma. Eu atravessaria alegre a tempestade por saber que no outro lado há um lugar onde eu possa viver os meus sonhos intensamente e ser feliz. Mas não vou, não posso, não devo, na verdade acho que tenho medo, por que sempre que chove me vem à lembrança de um menino que se perdeu da mãe em meio a uma tempestade. Não sei o que houve com aquele garoto, contudo essas lembranças me fazem desistir de sair daqui e por isso choro por horas o fio, porém me contento por que chegará o dia em que serei livre. Vou poder sair na tempestade sem medo de que um relâmpago possa me atingir, isso por que terei certeza de que nada mais poderá me atingir, serei eterno e brilharei como a chuva.
Eu sei que eles já estão a me olhar, se espreitando pelos cantas escuros mais parecendo com um fantasma ou será que são? Não consigo me livrar dessas lembranças que me assombram e me fazem enlouquecer, mas eu não sou louco, só quero saber quem eu sou e como vim para nesse lugar; outro dia uma pessoa, bom eu acho que era uma pessoa, ela veio aqui me trazer comida; mas eu não sinto fome, ela me disse que eu não resistiria por muito tempo, eu só queria saber que eu era ela me disse que era muito especial e que todos me chamavam de doutor e por um longo tempo pensei naquele nome, mas ele não significava nada para mim.
A primeira lembrança que tenho desse lugar é de quando acordei rodeada de pessoas e de muitas luzes, mas não lembrava quem era. Eu lembro que a pesar das lágrimas as pessoas que estavam ali estavam muito alegre. Ainda sinto muita dor na minha cabeça e agora parece que o céu vai desabar em cima de mim; quando os raios rasgam o céu, minha visão fica perfeita, porém é só por um instante, logo em seguida a escuridão cobre minha visão e as vozes aparecem, como se quisessem me julgar por algo que fiz no passado, de repente fica tudo muito claro, são minhas lembranças que estão voltando.
A sala é escura e só existe uma luz vermelha muito pequena, há uma pessoa comigo na sala e de repente uma explosão de pergunta. Onde estou? Qual é o meu nome? O que aconteceu comigo? O que estou fazendo aqui? Quem são vocês? E as luzes se apagam e minha voz também; então me pergunto se aquela sala é esta que estou. Aquela pessoa tinha uma silhueta de mulher, quem é ela? Será que isso aconteceu ou é mais uma alucinação de minha mente atordoada. Acho que vou dormir, meus olhos começam a pesar. Talvez assim essa dor de cabeça me deixe.